quinta-feira, 5 de julho de 2012

Os sofistas: a arte de argumentar

No período socrático ou clássico (séc. V e IV a.C), o centro cultural deslocou-se das colônias para a cidade de Atenas. Desse período fazem parte Sócrates e seu discípulo Platão, que posteriormente foi mestre de Aristóteles. O século V a.C é também conhecido como o século de Péricles, governante na época áurea da cultura grega, quando a democrática Atenas desenvolveu intensa vida política e artística. Os pensadores desse período, embora ainda discutissem questões cosmológicas, ampliaram os questionamentos para a antropologia, a moral e a política. Também os sofistas são dessa época, pelos quais começaremos.
Os sofistas fazem parte da época clássica e alguns deles são interlocutores de Sócrates. Os mais famosos foram: Protágoras, de Abdera (485-411 a.C); Górgias, de Leôncio, na Sicília (485-380 a.C); Híppias, de Èlis; e ainda Trasímaco, Pródico e Hipódamos, entre outros. Tal como ocorreu com os pré-socráticos, dos sofistas só nos restam fragmentos de suas obras, reunidas nas doxografias, além de referências – muitas vezes tendenciosas – feitas por filósofos posteriores.
Os sofistas foram sempre mal interpretados por causa das críticas de Sócrates, Platão e Aristóteles. São muitos os motivos que levaram à visão deturpada sobre os sofistas que a tradição nos oferece. Em primeiro lugar, há enorme diversidade teórica entre os pensadores reunidos sob a designação de sofista. Talvez o que possa identifica-los é o fato de serem considerados sábios e pedagogos. Vindo de todas as partes do mundo grego, ocupam-se de um ensino itinerante, sem se fixarem em nenhum lugar. O constante exercício do pensar e a aceitação de opiniões contraditórias, características dos sofistas, possivelmente deviam-se à incessante circulação de ideias.
Para escândalos de seus contemporâneos, os sofistas costumavam cobrar pelas aulas, motivo pelo qual Sócrates os acusava de “prostituição”. Cabe aqui um reparo: na Grécia Antiga, a aristocracia tinha o privilégio da atividade intelectual, pois gozava do ócio, ou seja, da disponibilidade de tempo, já que estava liberada do trabalho de subsistência, ocupação dos escravos. No entanto, os sofistas geralmente pertenciam à classe média e, por não serem suficientemente ricos para se darem ao luxo de filosofar, faziam das aulas seus ofícios. Se alguns sofistas de menor valor intelectual podiam ser chamados de “mercenários do saber”, na verdade tratava-se de fato acidental que não se aplicava à moradia.
No entanto, a imagem de certo modo caricatural da sofística tem sido revista na tentativa de resgatar sua verdadeira importância. Desde que os sofistas foram reabilitados por Hegel no século XIX, o período por eles iniciado passou a ser denominado Aufklarung grega, imitando a expressão alemã que designa o Iluminismo europeu do século XVIII.
A sofística e o ideal democrático
Segundo Werner Jaeger, historiador da filosofia, os sofistas exerceram influência muito forte no seu tempo, vinculando-se à tradição educativa dos poetas Homero e Hesíodo. Sua contribuição para a sistematização do ensino foi notável, pela elaboração de um currículo de estudos: gramatica (da qual são os iniciadores), retórica e dialética; na tradição dos pitagóricos, desenvolveram a aritmética, a geometria, a astronomia e a música.
Os sofistas elaboraram o ideal teórico da democracia, valorizada pelos comerciantes em ascensão, cujos interesses passaram a se contrapor aos da aristocracia rural. Nessas circunstâncias, a exigência que os sofistas na Grécia de seu tempo é de ordem essencialmente pratica, voltada para a vida, pois iniciavam indispensável para que os cidadãos participassem da assembleia democrática.
Por deslumbrarem seus alunos com o brilhantismo de sua retórica, foram duramente criticados pelos seguidores de Sócrates, que os acusavam de não se importarem com a verdade, pois, afeitos que eram à arte de persuadir, reduziam seus discursos a opiniões relativistas. Além disso, sabemos como Sócrates e Platão não tinham simpatia
pela democracia, por causa do risco da demagogia.
Se os sofistas foram acusados pelos seus detratores de pronunciar discursos vazios, essa fama deve-se ao fato de que alguns deles deram excessiva atenção ao aspecto formal da exposição e da defesa das ideias. E também porque em geral os sofistas estavam convencidos de que a persuasão é o instrumento por excelência do cidadão na cidade democrática.
Os melhores deles, no entanto, buscavam aperfeiçoar os instrumentos da razão, ou seja, a coerência e o rigor da argumentação. Não bastava dizer o que se considerava verdadeiro, era preciso demonstra-los pelo raciocínio, mais tarde desenvolvida por Aristóteles.
Protágoras, um dos mais importantes sofistas, dizia que “o homem é a medida de todas as coisas”. Esse fragmento – entre os poucos conservados de seus escritos perdidos – pode ser entendido como a exaltação da capacidade humana de construir a verdade: o logos não mais é divino, mas decorre do exercício técnico da razão humana, a quem cabe confrontar as diversas concepções possíveis da verdade.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Crítica de Aristóteles aos antecessores


Além da metafísica, Aristóteles estabeleceu os princípios da lógica formal. Com esses princípios lógicos e os conceitos metafísicos, criticou os filósofos que o antecederam, sobretudo Heráclito, Parmênides e Platão.
Contra Heráclito, segundo o qual tudo estava em constante movimento, Aristóteles demonstra que toda transformação há algo que muda e algo que permanece. E, pelo principio de contradição, que um ser não pode ser e não ser ao mesmo tempo. Do mesmo modo critica Parmênides, por ter afirmado que o ser é imóvel, reduzindo o movimento ao mundo sensível. Igualmente, rejeitou a teoria das ideias de Platão.
Para Aristóteles, se o conhecimento se faz com conceitos universais, esses mesmos conceitos são aplicados a cada coisa individual. Com isso, não é preciso justificar a imobilidade do ser (como Parmênides) nem criar o mundo das essências imutáveis, como quis Platão.

Deus: Primeiro Motor Imóvel


Toda estrutura teórica da filosofia aristotélica desemboca no divino, numa teologia. A descrição das relações entre as coisas leva ao conhecimento da existência de um ser superior e necessário, ou seja, Deus. Porque, se as coisas são contingentes – pois não têm em si mesmas a razão de sua existência -, é preciso concluir que são produzidas por causas exteriores a elas. Ou seja, todo ser contingente foi produzido por outro ser, que também é contingente, e assim por diante. Para não ir ao infinito na sequência de causas, é preciso admitir uma primeira causa, por sua vez incausada, um ser necessário (e não contingente).
Esse Primeiro Motor Imóvel (por não ser movido por nenhum outro) é também um puro ato (sem nenhuma potência). Segundo Aristóteles, Deus é Ato Puro, Ser Necessário, Causa Primeira de todo existente. No entanto, como Deus pode mover, sendo imóvel? Porque Deus não é primeiro motor como causa eficiente, mas sim como causa final: Deus move por atração, ele tudo atrai, como “perfeição” que é.

A teoria das quatro causas


As considerações anteriores tornam mais claro o principio de causalidade de acordo com Aristóteles: “Tudo o que se move é necessariamente movido por outro”. O devir consiste na tendência que todo ser tem de realizar a forma que lhe é própria.
Há quatro sentidos para causa; material, formal, eficiente e final.
Por exemplo, numa estátua:
      ·         A causa material é aquilo de que a coisa é feita (o mármore);
      ·         A causa eficiente é aquela que dá impulso ao movimento (o escultor que a modela);
      ·         A causa formal é aquilo que a coisa tende a ser (a forma que a estátua adquire);
      ·         A causa final é aquilo para o qual a coisa é feita ( a finalidade de fazer á estatua; a beleza, a glória, a devoção religiosa etc.)
Essas são as causas que explicam o movimento, que para Aristóteles é eterno.

O conhecimento pelas causas


Aristóteles define a ciência como conhecimento verdadeiro, conhecimento pelas causas, por meio do qual é possível superar os enganos as opinião e compreender a natureza da mudança, do movimento. Para tanto, recusa a teoria das ideias de Platão e sua interpretação radical sobre a oposição entre mundo sensível e mundo inteligível.
Para entender a teoria aristotélica, vamos escrever três distinções fundamentais realizadas pelo filósofo: substância-essência-acidente; ato-potência; forma-matéria. Esses conceitos, por sua vez, servem para compreender a teoria das quatro causas.
Substância: essência e acidente:
Costuma-se dizer que Aristóteles “traz ideias do céu a terra” porque, para rejeitar a teoria das ideias de Platão, reuniu o mundo sensível e o inteligível no conceito de substância: cada ser que existe é uma substância.
A substância é “aquilo que é em si mesmo”, o suporte dos atributos. Esses atributos podem ser essenciais ou acidentais:
      ·         A essência é o atributo que convém à substância de tal modo que, se lhe faltasse, a substância não seria o que é.
      ·         O acidente é o atributo que a substância pode ter ou não, sem deixar de ser o que é.
Por exemplo: a substância individual “esta pessoa” tem como características essenciais os atributos da humanidade (Aristóteles diria que a racionalidade é a essência do ser humano). Os acidentais são, entre outros, ser gordo, velho ou belo, atributos que não mudam o ser humano na sua essência.
Matéria e forma:
Além dos conceitos de essência e acidente, Aristóteles recorre às noções de matéria e forma. Todo ser é constituído de matéria e forma, princípios indissociáveis.
      ·         Matéria é o principio indeterminado de que o mundo físico é composto, é “aquilo de que é feito algo”. Trata-se da matéria indeterminada. Quando nos referimos à matéria concreta, trata-se de matéria segunda.
      ·        Forma é “aquilo que faz com que uma coisa seja o que é”. Nesse sentido, a forma é geral (o que faz com que todo animal ou vegetal sejam o que são).
A forma é o principio inteligível, a essência comum aos indivíduos da mesma espécie pela qual todos são o que são, enquanto a matéria é pura passividade e contém a forma em potência.
O movimento (devir) é explicado por meio das noções de substância e acidente, de matéria e forma. Para Aristóteles, todo ser tende a tornar atual a forma que tem em si como potência. Por exemplo, a semente, quando enterrada, tende a se desenvolver e a se transformar no carvalho que é em potência.
Potência e ato:
Ao explicitar os conceitos de matéria e forma, é necessário recorrer aos de potência e ato, que explicam como dois seres diferentes podem entrar em relação, atuando um sobre o outro. Então:
      ·         A potência é a capacidade de tornar-se alguma coisa, é aquilo que uma coisa poderá vir a ser. Para se atualizar todo ser precisa sofrer a ação de outro já em ato.
      ·         O ato é a essência (a forma) da coisa tal como é aqui e agora.
Não se trata de uma atualização de uma vez por todas, porque cada ser continua em movimento, recebendo novas formas: os seres vivos nascem e morrem, o feto se transforma em criança e, na sequência, em adolescente, jovem, idoso, e assim por diante.
Recapitulando os conceitos aristotélicos: todo ser é uma substância constituída de matéria e forma; a matéria é potência, o que tende a ser; a forma é o ato. O movimento é, portanto, a forma atualizando a matéria, é a passagem da potência ao ato, do possível ao real.

terça-feira, 3 de julho de 2012

Aristóteles: a metafísica


Desde o momento em que a razão se separou do pensamento mítico, os filósofos gregos criaram conceitos para instrumentalizá-la no esforço de compreensão do real. Entre as diversas contribuições destaca-se a de Aristóteles, pela elaboração dos princípios da lógica e dos conceitos que explicassem o ser em geral, área da filosofia hoje reconhecemos como metafísica de Aristóteles, ele próprio usava a denominação filosofia primeira.
A teoria do conhecimento:
A teoria do conhecimento aristotélica é exposta nas obras Metafísica e Sobre a alma. Nesta última, ao explicar a relação corpo (matéria) e alma (forma), Aristóteles define alma como a forma, o ato, a perfeição de um corpo. Também usa os conceitos metafísicos para distinguir o conhecimento sensível do racional e demonstrar como eles dependem um do outro.
Os sentidos são a primeira fonte de conhecimento: sob esse aspecto, Aristóteles critica a teoria da reminiscência platônica. Para ele, a origem das ideias é explicada pela abstração, pela qual o intelecto, partindo das imagens sensíveis das coisas particulares, elabora os conceitos universais. Os primeiros princípios da ciência são estabelecidos por percepção ou por indução, que conduz ao universal pela revisão de exemplos particulares. Depois, por dedução, são extraída conclusão por um processo de raciocínio que progride do universal para o particular.
Pela sua teoria do conhecimento, Aristóteles pretende chegar á verdade, que para ele consiste na adequação do conceito à coisa real.
A filosofia primeira não é primeira na ordem do conhecer – já que partimos do conhecimento sensível -, mas a que busca as causas mais universais, é, portanto, as mais distantes dos sentidos. Trata-se da parte nuclear da filosofia, na qual se estuda “o ser enquanto ser”, isto é, o ser independentemente de suas determinações particulares.
É a metafísica que fornece a todas as outras ciências o fundamento comum, o objeto que ela investigam e os princípios dos quais dependem. Ou seja, todas as ciências referem-se continuamente ao ser e a diversos conceitos ligados diretamente a ele, como identidade, oposição, diferença, necessidade, possibilidade, realidade, etc. no entanto, cabe à metafísica examinar esses conceitos, ao refletir sobre o ser e suas propriedades.

O que é lógica?


A lógica faz parte do nosso cotidiano. Na família, no trabalho, no lazer, nos encontros entre amigos, na política, sempre nos dispomos a conversar com as pessoas usamos argumentos para expor e defender nossos pontos de vista. Os pais discutem com seus filhos adolescentes sobre o que podem ou não fazer, e estes rebatem com outros argumentos.
Se assim é, tanto melhor que saibamos o que sustenta nossos raciocínios, o que os torna válidos e em que casos são incorretos. O estudo da lógica seve para organizar as ideias de modo mais rigoroso, para que não enganemos em nossas conclusões.
Vamos aqui examinar como surgiu à lógica na Antiguidade grega.
Embora os sofistas e também Platão tenham se ocupando com questões lógicas, nenhum deles o fez com a amplitude e o rigor alcançados por Aristóteles (séc. IV a.C). O próprio filosofo, porém, não denominou seu estudo de lógica, palavra que só apareceu mais tarde, talvez no século seguinte, com os estoicos.
A obra de Aristóteles dedicada á lógica chama-se Analíticos e, como o próprio nome diz, trata da análise do pensamento nas suas partes integrantes. Essa e outras obras sobre lógica foram reunidas com o título de Organon, que significa “instrumento” e, no caso, instrumento para se proceder corretamente no pensar.
Vejamos o que significa a lógica, como instrumento do pensar.
      ·         O estudo dos métodos e princípios da argumentação;
      ·         A investigação das condições em que a conclusão de um argumento se segue necessariamente de enunciados iniciais, chamados premissas;
      ·         O estudo que estabelece as regras da forma correta das operações do pensamento e identifica as argumentações não validas.